A Sophia de Mello Breyner
Aquela madrugada que irrompeu em nós
*“dia inicial e primeiro”,
Esses ventos anunciando germinação
Aquela madrugada em que das cinzas renascemos
Sophia,
Repousa-me na garganta em estilhaços.
Aquele hino que ao colo do meu Pai
Há décadas ansiado
Sorrindo cantarolei,
Aqueles belos cravos vermelhos,
A transbordar sangue fervilhante
De mim
Hoje são farpas rasgando-me as entranhas
Toda a quimera que inventei.
Aquela madrugada algures já perdida,
É como um denso nevoeiro
Onde ouço o grito da fome
Do meu Irmão
A sussurrar clemência pelo chão,
Passa por ele tanto capitalista
Mas nenhum lhe estende a mão.
Cegueira instalada e brutal
Desdém!
Pobreza mais miserável que a própria fome
É a condenação à mesma!
Tal qual uma manta de retalhos
Velha e dolorida.
Fomos vendidos
Hipotecaram nossas vestes
Cobrindo-nos de maldição e vergonha.
Vertem lágrimas
Os craveiros vermelhos que gritaram
No peito daquela madrugada
Repousa tu aí sabedoria eleita,
Teu leito de Liberdade,
Eu permaneço pela enseada
Nas asas das gaivotas
A cantarolar como se ainda estivesse
Ao colo do meu Pai.
(*Sophia de Mello Breyner)
© Célia Moura, 16.08.2015
Grata Getulio.
Um beijo.
C.M.
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